O cenário político brasileiro está apresentando um paradoxo. Enquanto o Brasil busca ativamente uma aproximação diplomática com os Estados Unidos, a ação de instrumentos de política externa americana, como a Lei Global Magnitsky (GMAG), tem gerado um efeito sísmico direto no Supremo Tribunal Federal (STF). O que começou como uma sanção direcionada a um único ministro, Alexandre de Moraes, evoluiu para uma pressão geopolítica que se tornou um catalisador para a reconfiguração da corte. Por um bom tempo, pareceu que as estratégias de Eduardo Bolsonaro estavam saindo pela culatra, mas agora parece estar apresentando algum resultado conforme o que ele esperava. As recentes e cogitadas aposentadorias antecipadas no STF sinalizam claramente que essa intervenção externa está surtindo efeito, redefinindo o cálculo de risco para os magistrados.
O poder da Lei Magnitsky reside em sua capacidade de transpor a imunidade interna e impor consequências tangíveis e financeiras. A lei foi desenhada para punir indivíduos envolvidos em corrupção grave ou abuso de direitos humanos. Ela foi inicialmente aplicada contra o ministro Moraes, com o Tesouro dos EUA citando o uso de sua posição para autorizar detenções arbitrárias e suprimir a liberdade de expressão. Só que a ação não se limitou ao ministro, atingiu também seu entorno, como sua esposa, Viviane Barci de Moraes, por fornecerem “suporte financeiro” ao magistrado. Ao isolar o alvo do sistema bancário global baseado no dólar , a Magnitsky elevou drasticamente o custo pessoal e familiar de qualquer atuação judicial que atraia a ira de Washington. Isso é claramente uma intervenção estrangeira em assuntos internos, mas vamos deixar isso de lado por ora.
O primeiro grande sinal de que a balança de custo-benefício havia mudado foi a aposentadoria antecipada de Luís Roberto Barroso. Nomeado em 2013, o ministro tinha o direito constitucional de permanecer na corte até março de 2033. Sua decisão de deixar a cadeira com cerca de oito anos de antecedência foi imediatamente lida pela oposição – principalmente pela base bolsonarista – como um sinal de capitulação, com questionamentos públicos sobre se o “fantasma da Magnitsky” estaria rondando o Supremo. Embora Barroso tenha negado qualquer relação entre sua saída e as sanções americanas (como era de se esperar), o timing da decisão foi inegável. Sua partida enfraquece a ala ativista da corte e sinaliza um reconhecimento prático de que a exposição internacional do ativismo judicial se tornou insustentável.

Agora, parece que estamos vendo um efeito cascata. Os ministros Gilmar Mendes e Cármen Lúcia estão no foco de rumores sobre a possibilidade de também anteciparem suas saídas, com aposentadorias compulsórias previstas para 2030 e 2029, respectivamente. Se por um lado essas aposentadorias precoces possam ser realmente efeito do fantasma das sanções, por outro também há estratégia política pelos membros da Corte. Ao garantir que o governo alinhado — por vezes parceiro — nomeie os sucessores, eles asseguram a manutenção da linha ideológica do tribunal, blindando a corte contra reconfigurações futuras ditadas por administrações de direita.
Portanto, o movimento de aposentadorias no STF deve ser analisado sob a lente da geopolítica judicial. A Magnitsky, apesar de ter gerado críticas internas nos EUA — inclusive de coautores da própria lei — por seu uso politizado, funcionou como uma alavanca eficaz. Ela forçou o Judiciário brasileiro, historicamente propenso ao ativismo, a integrar o risco financeiro pessoal em seu cálculo institucional. As saídas antecipadas são, em essência, uma busca por estabilidade e moderação, uma tentativa de reduzir a superfície de ataque internacional e de garantir que a reconfiguração do tribunal ocorra de forma controlada, mitigando o risco de que a política externa americana continue a ditar a pauta interna de sucessões.
A jogada de Eduardo Bolsonaro é arriscada. Por um lado sua atuação parece surtir os efeitos que ele esperava desde o começo, por outro, abre brechas para intervenções estrangeiras futuras, até de países que hoje são aliados, como a China.
